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É tarde já. Estou com muito sono, mas essa festa acho que não vai acabar nunca. Meus pais tão lá, pra variar, junto com os outros adultos. As mulheres falam sobre a família e os vizinhos, mas eu me sinto meio deslocado com elas, afinal eu sou um menino, devia estar lá junto com os homens. O problema é que eles ficam falando de política e outras coisas que não entendo, de ministros e sei lá o que. O assunto parece interessar bastante à eles, mas eu não sei. Não vejo simplesmente motivo nenhum pra eles ficarem tanto tempo discutindo uma coisa tão tola, ficam falando de pessoas que eles nunca sequer viram ou falaram pessoalmente, coisas que não tem ligação nenhuma com nossa vida. Acho que falam disso simplesmente por quererem falar uns com os outros e não terem assunto, o melhor as mulheres já pegaram. Mas mesmo assim eu fico ora cá, ora lá, pulando entre os braços do pai e da mãe.
Mas ai, não era nada disso que eu queria falar, era sobre outra coisa. Não sei porque mas, quando eu crescer, eu vou notar que tenho essa terrível mania de ficar pulando de um assunto pro outro, chegando, às vezes, até, a esquecer sobre o que eu falava.
Mas hoje eu tô com sono, e a festa já está naquele ritmo em que as coisas começam a ficar mais lentas e vazias. Puxei umas cadeiras pra dormir mas é muito duro, muito desconfortável. Às vezes eu faço isso, mas nunca funciona muito bem, não dá certo. Eu fico tentando dormir mas nunca chego a pegar realmente no sono, não é que nem nossa caminha macia.
Sei que por fim enchi o saco e resolvi dar uma caminhada. As crianças daqui são meio chatas, nada contra elas, sei lá, simplesmente resolvi me afastar um pouco de todo esse barulho, coisa que vou vir a fazer pelo resto da minha vida.
Cheguei na borda de uma piscina imensa, é um clube legal aqui, pra não falar que adoro piscinas. Minha mãe sempre insiste que eu ponha uma boiazinhas pra nadar, mas sempre que posso eu tiro elas e mergulho. Depois me bato todo e seguro em algo pra não afundar a não ser quando me solto, fico güentando ar no fundo e depois volto.
Mas de qualquer forma é de noite, e eu não posso mergulhar. Me dá um certo medo também, não sei, uma estranheza. Tudo assim, tão deserto e vazio. Não gosto das boiazinhas, acho meio ridículo. Só aceito porque sei que é a única e última vez que eles vão me fazer passar por algum ridículo ou situação constrangedora.
Por que estou pensando nessas coisas todas? Por que justo agora, tão assim, de repente e sem motivo? Não sei se é medo ou o quê, mas de repente minha mente disparou e ficou, sei lá, tão agitada. Não é medo, embora eu esteje meio alterado. A diferença é que, sei lá, é bom.
Puxei uma daquelas camas de madeira pesadas e deitei na borda da piscina. Olhei pro céu, que era simplesmente lindo. Um montão de idéias iam surgindo e eu fiquei ali, simplesmente curtindo.
Não bem verdade o que eu disse há pouco. Nem todas as crianças daqui são meio chatas. Tem uma menina (tem cinco anos, é um ano mais velha que eu) que é legal até. Não sei, talvez por ela ser mais velha seja mais legal de conversar. A verdade é que mesmo tendo a gente quase não se falado eu sinto que ela é como se fosse uma amiga minha. E acho que é mesmo, afinal é filha de um amigo do meu pai, por isso somos amigos. Mas os outros guris também são filhos dos amigos do meu pai e não sei, nem todos são assim meus amigos. É estranho. Não tenho resposta e nem entendo, assim como olho pro céu e não entendo como fizeram as estrelas, e por que elas brilham, quantas elas são, se elas podem me ver assim como eu vejo elas, se tem algum desenho escondido em suas linhas que eu deva interpretar, assim como as nuvens no céu que eu vejo todo dia no caminho pra escola. Ontem tinha um nuvem em forma de ovelha que foi mudando, mudando e, por fim, virou um crocodilo. Fiquei com medo, o que será que aquilo queria dizer?
Senti vontade de chorar. Meus olhos ficaram cheios d'água, como de vez em quando, quando eu estava triste. A diferença é que ali eu não estava triste, mas estava, sei lá, estranho e feliz. E ali, também, eu não precisava esconder os olhos de ninguém. Eu estava sozinho, e ia aos poucos já quase dormindo, quando alguém pareceu vir.
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