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A doce arte de Nana Caribenha
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Bukowski - Vida Desalmada
 

A doce arte de Nana Caribenha


Nana Caribenha - Boquete três por quatro.

Não posso negar que esse anúncio me chamava a atenção. Em verdade, tinha verdadeira fixação e curiosidade pelo reclame, chegava a mudar meu trajeto de volta da escola pra casa só pra passar em frente a placa. A casa era velha, na parte antiga do centro. Cheirava a uma mistura de mofo com detergente de pinho. A pintura amarela descascando, a porta branca encardida sempre soltando pedaços da cobertura velha de tinta, que ocasionalmente se abria e revelava um longo e interminável corredor. Do vão estreito da porta saía sempre um nariz cuidadoso, seguido de um rosto masculino, que procurava se certificar da ausência de conhecidos na rua, para então se aventurar à luz do dia. Estampo no rosto, sempre sorrisos de satisfação.

Trancado no banheiro em casa eu passava horas me masturbando com delírios sobre o que seria o tal boquete três por quatro. Imaginei três mulheres boqueteando quatro caras simultaneamente, mas isso não fazia muito sentido. O oposto, quatro mulheres boqueteando três caras parecia mais sensato, mas ainda assim improvável. Podia ser uma promoção, mas nesse caso o mais provável seria que o texto da placa fosse "quatro boquetes por três". Por fim imaginei que fosse um simples boquete que a mulher fizesse estando de quatro... mas isso era simplório demais para contentar minha imaginação, e ainda não explicava o porque do três.

Nana Caribenha. Eu podia imaginar o perfume suave a a cintura fina de uma deusa. Podia imaginar ela dançando coisas exóticas que me fariam gozar nas calças. Eu batia pelo menos uma punheta por dia em homenagem à ela.

Eu tinha dezessete anos, e comia na época uma quarentona chamada Terezia. Seus peitos pequenos pareciam destoar em meio à imensa barriga flácida... uma coisa simplesmente não combinava com a outra. Às vezes ela demorava quase uma hora para conseguir me arrancar uma ereção, que eu geralmente mantinha sonhando com Nana Caribenha. Uma noite, como o quati semi-morto custava muito pra despertar, perguntei a Terezia:

--- Você gosta de mim?

--- Se essa benga levantar, sim.

--- Faz qualquer coisa que eu pedir?

--- Claro.

--- Me faz um boquete três por quatro então.

Disse isso em meio a um sorriso jovial, antecipando a chegada do paraíso. Acordei para a realidade sentindo a dor ardente do tapa que Terezia me dera no rosto.

--- Moleque abusado! Atrevido! É sempre assim, só porque estão comendo a gente acham que podem humilhar. Acha que me faz um favor me comendo? Pega tuas roupas e vai embora, no momento em que tu chegar em casa já vou ter arranjado outro garoto pra me comer! Vai embora!

Começou a gritar e me dar tapas. Algumas lágrimas escorriam pelo rosto e pela primeira vez pude perceber a mulher feia que realmente era, e todo o asco e nojo que me trazia à tona. Meu quati ressuscitou na hora e cheguei a tentar comê-la, quase que à força. No entanto ela ameaçou um golpe no meu saco e achei que era melhor eu considerar a batalha perdida e efetuar uma retirada estratégica, antes que sofresse alguma baixa danosa.

Saí zigue-zagueando tonto pela rua. Bebi até metade da tarde num buteco de esquina e saí andando sem rumo. Não sei se foi a sorte ou o destino, ou ainda o efeito do álcool, que me levou diretamente para a frente da arapuca. Abri a porta e percorri o infinito corredor até chegar numa saleta de espera. Dois homens maltrapilhos entraram e saíram antes de mim e então chegou minha vez.

Entrei na sala escura e logo compreendi olhando a cena que deveria me sentar na cadeira de couro no centro. Assenti com a cabeça quando ela perguntou se eu viera pelo boquete.

--- Pagamento adiantado --- ela disse.

Estiquei pra ela minha carteira com todo o dinheiro que eu tinha, torcendo pra que fosse suficiente. Ali tinha metade da grana que eu gastava em um mês. Ela conferiu as notas mais altas, pondo-as de volta na carteira. Pegou uma nota de cinco e me deu uma moeda.

--- Pra quê isso? --- perguntei nervoso.

--- É teu troco, bobinho.

A voz dela soava estranha. Talvez ela não fosse sequer humana. Um estado próximo ao pânico me dominou, seguido pela sensação de que eu já fora longe demais para voltar atrás. Botei a moeda de um pila na carteira. Ela perguntou:

--- Tudo certo? Podemos começar?

--- Sim! Sim ! Sim ... só... eu, eu antes, só queria saber uma coisa?

--- O quê meu anjo?

--- O que diabos é esse boquete três por quatro?

--- Você não sabe?

--- Não.

Ela começou a rir e por fim tirou meu pau pra fora e disse:

--- O quatro você já pagou, seu bobo, foi o preço, lembra?

--- O preço, sim, o preço. Mas, e...

--- E o três?

--- Isso.

--- Tá aqui bobinho!

Dizendo isso ela me olhou frente a frente dando uma baita sorriso vazio. Um grande dente amarronzado se projetava de cima de sua boca, como uma estalactite solitária, acompanhada somente na distância por seus dois companheiros, os cisos inferiores, que se podiam avistar perdidos ao longe na imensidão vazia daquela boca. O ar ofegante que saía dela silvava ao passar pelo grande dente frontal, como o ruído de um pneu furado. Em seguida ela baixou a cabeça e começou seu dedicado trabalho. E nunca mais fui o mesmo.



AvG
6:46 am - Metático, 24/09/01 - em casa

   
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