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Cheguei em casa. Na geladeira havia um bilhete: "Anacreonte, meu
amor, fui passar o fim de semana na casa dos meus pais. A gente se vê
na volta. Tchau".
E era isso. Seco assim, sem nem sequer um beijo. Com aquele mesmo tom
casual e indiferente que marcara nosso relacionamento desde o início.
Era uma grande bosta tudo. O mundo, a vida, as pessoas.
Alguma coisa começava a despertar em mim. Algum monstro obscuro
e gigantesco, remexia-se nas minhas profundezas, ameaçando emergir.
Eu a amava. Ela me amava, provavelmente. Passávamos juntos grande
parte do tempo, e éramos como que complementos perfeitos, encaixes
metálicos, um para o outro. Nos amávamos e complementávamos,
mas, mesmo assim, eu me sentia agora solitário, mais solitário
do que nunca me sentira em toda minha vida. Completamente só, num
universo sem sentido. Eu sabia o que estava para fazer, e não gostava.
Eu estava prestes a cometer alguma loucura.
A areia do tempo escorria, me fazendo saber que restava cada vez menos
saídas. Cada vez mais nossa chance se esgotava. Além da
solidão, o desespero, a desesperança em encontrar uma cura.
Não havia cura, não estava em ninguém, não
existia. Era isso que só piorava tudo, pois se em breve eu não
aprendesse a viver com aquela solidão que me perseguia, violava,
torturava, desde o primeiro choro, meu monstro primordial me dominaria,
meu grito essencial e primário. Eu estava numa corrida louca em
direção ao fim, e tudo que eu podia ver era a catástrofe
final se aproximando.
Solidão. Medo. Dor. Nada mais. Apenas livros mofados, e lágrimas
escondidas, ocultando a tristeza que se acumulava em mim, e o ódio
a mim mesmo que se voltava contra todos. O mundo, a vida, as pessoas,
tudo. Era mesmo uma grande bosta tudo.
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