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Mesmo em noite quente há coisas piores que cerveja choca
Mergulhando no ar
Deep into the Air
Blog Spectro Editora
Bukowski - Vida Desalmada
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22


Cheguei em casa. Na geladeira havia um bilhete: "Anacreonte, meu amor, fui passar o fim de semana na casa dos meus pais. A gente se vê na volta. Tchau".

E era isso. Seco assim, sem nem sequer um beijo. Com aquele mesmo tom casual e indiferente que marcara nosso relacionamento desde o início. Era uma grande bosta tudo. O mundo, a vida, as pessoas.

Alguma coisa começava a despertar em mim. Algum monstro obscuro e gigantesco, remexia-se nas minhas profundezas, ameaçando emergir. Eu a amava. Ela me amava, provavelmente. Passávamos juntos grande parte do tempo, e éramos como que complementos perfeitos, encaixes metálicos, um para o outro. Nos amávamos e complementávamos, mas, mesmo assim, eu me sentia agora solitário, mais solitário do que nunca me sentira em toda minha vida. Completamente só, num universo sem sentido. Eu sabia o que estava para fazer, e não gostava. Eu estava prestes a cometer alguma loucura.

A areia do tempo escorria, me fazendo saber que restava cada vez menos saídas. Cada vez mais nossa chance se esgotava. Além da solidão, o desespero, a desesperança em encontrar uma cura. Não havia cura, não estava em ninguém, não existia. Era isso que só piorava tudo, pois se em breve eu não aprendesse a viver com aquela solidão que me perseguia, violava, torturava, desde o primeiro choro, meu monstro primordial me dominaria, meu grito essencial e primário. Eu estava numa corrida louca em direção ao fim, e tudo que eu podia ver era a catástrofe final se aproximando.

Solidão. Medo. Dor. Nada mais. Apenas livros mofados, e lágrimas escondidas, ocultando a tristeza que se acumulava em mim, e o ódio a mim mesmo que se voltava contra todos. O mundo, a vida, as pessoas, tudo. Era mesmo uma grande bosta tudo.

   
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