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Desculpem-me estragar a continuidade do romance e a atrapalhar a leitura, mas precisei intervir, pois não conseguia mais suportar tudo calado, narrando apenas aquilo que o autor desejava. Sou o narrador. A princípio o autor e eu tivemos várias discussões e ficou determinado que eu não apareceria na história em momento algum. Através de uma lógica matemática, ele me provou por A+B que quando há um bom autor os personagens e eventos falam por si só, dispensando um narrador. Assim, meu papel deveria ser meramente o de ordenador de capítulos, e nada mais.
Por um pouco de sorte minha, o autor teve bom-senso o suficiente (ou inépcia) para deixar passar alguns capítulos que merecem um pouco mais de atenção.
A princípio ele queria escrever uma cena numa clínica psiquiátrica, ou algo semelhante que explicasse tudo, mas dessa vez consegui convencê-lo. Inspirado no livro "À Mão Esquerda" de Fausto Wolff, ele permitiu então que eu me apresentasse e explicasse tudo. Mas, como pode ser a última vez que ele permita tal sandice, não terei pressa.
O trecho que vocês viram no capítulo anterior é um recorte dos pensamentos de nosso protagonista aos dezenove anos. Ah, sim. Caso alguém não tenha percebido, no meio dessa baderna toda há um protagonista, que é o Anacreonte, um personagem insano à procura desesperada de alguma coisa que ele nem sabe o que é.
O capítulo em questão foi escrito por um motivo muito especial: mostrar que o personagem está ficando louco e megalomaníaco. Essa loucura é não linear, mas existiu em toda a vida do personagem. Porém, por efeitos estilísticos, a história irá, provavelmente, começar a retratar mais esses momentos de loucura do que os de razão, à medida em que o processo de busca do personagem se aprofunda.
Atenção redobrada na frase "é melhor errar do que não agir". Essa frase será dita por ele à uma jovem, bela e deliciosa mulher. Após um intervalo de dois anos durante os quais ele estará completamente louco, os dois se reencontrarão, apaixonarão, e ela devolverá a frase mastigada dizendo que "é melhor se arrepender de algo que fez do que algo que não fez". Ele, é claro, se torturará dia e noite por não ter tentado a moça no passado, fazendo com que o mundo de nosso protagonista se despedace justamente por ter quebrado a premissa mais básica: agir ao invés de hesitar, nunca se arrepender. Depois disso, a vida perderá totalmente o sentido enquanto ele não achar uma forma de neutralizar a ferida, que derramará continuamente a vida de seu corpo enquanto estiver aberta.
Droga! Falei demais. No momento o Autor está puto comigo e ameaçando apagar tudo que escrevi. Acho melhor parar agora se eu quiser voltar a aparecer em qualquer outro livro de novo. Ele diz que agora vai ter um trabalhão desgraçado pra consertar a surpresa que eu estraguei, mas no fundo, no fundo, acho que ele queria mesmo era omitir certos detalhes embaraçosos do protagonista que eu acabei contando...
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