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Mesmo em noite quente há coisas piores que cerveja choca
Mergulhando no ar
Deep into the Air
Blog Spectro Editora
Bukowski - Vida Desalmada
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6

Eu vou morrer! Certamente sei que vou, não há dúvida. Olho ao redor e vejo minha covardia refletindo em cada homem que se levanta e, bravamente, mergulha no ar. Tenho trinta anos. Bebo e fumo desde os treze. Sempre soube que iria morrer hoje, com trinta anos pulando deste avião, no entanto, aqui estou eu, esperando a morte, covardia disfarçada em calma.

Levei uma vida normal, nada mal até. Mas desde a infância sempre soubera eu que estava fadado a morrer assim, aos trinta anos. Sempre soube, no entanto, nada fiz para impedir e, até mesmo, me questiono o quanto a vida inteira me programei e me esforcei para que isso acontecesse.

Ano passado, por exemplo, eu era um cara normal. Apartamento grande de aluguel caro, uma esposa que já durava três anos, uma filhinha de um ano mais um garoto no bucho da mulher, pronto para nascer. Emprego bom de jornalista, carro, uísque importado, charuto cubano. Hoje em apenas um ano, sofro na justiça um processo daquela que ia me amar pra sempre, que por sinal não me deixa ver meus filhos pois alega que virei um bêbado compulsivo. Me demiti, vivi uns tempos na rua, tomei de tudo pra manter-me vivo, tornei-me escória, lixo ambulante. Marcela, a puta de vestido azul que freqüenta os bares caros do centro, é que apiedou-se de mim. Tirou-me das ruas e me deu algo pra comer e onde me abrigar. Em troca eu a protejo, é claro, o que me custou essa perfuração no abdômen mês passado. Mas é uma boa mulher, às vezes transamos até, mais por insistência dela do que vontade minha. Eu tenho medo que ela acabe se apaixonando por mim, eu, que sou um morto ambulante.

Talvez não seja assim tão mal. Ao menos uma pessoa terá no meu funeral. Tomara que ela ao menos chore.

Foi ela que me pagou esse curso de pára-quedismo. Não sei porque embestei em fazê-lo, ou melhor, meu maior medo é que talvez eu o saiba. É muito provável que eu temesse não morrer, por isso esse comportamento obsessivo em busca da morte nos últimos meses, tudo em vão. Não tenho medo do avião, nem do instrutor, nem de nada. Meu medo é de mim mesmo. Meu medo é, na hora, não resistir a pressão e decidir-me não puxar a corda. Meu medo é, inconscientemente, ter dobrado o pára-quedas de forma que ele não abra, deixando meu corpo livremente a ricochetear no chão, bola de carne e borracha.

Sei que, agora, tudo que penso é em sair berrando e me agarrar num poste, num trinco, num algo qualquer e, por nada deste mundo pular. Mas me recuso. Se meu destino é esse não tenho eu o direito de recusá-lo. Devo aceitar minha morte. Devo pular. Devo fazer meu derradeiro mergulho.

Enquanto isso continua aqui sentado, já há cerca de uma hora, vendo minha vida toda passar pela frente, cada ato, cada pergunta, cada detalhe desfilando, como um livro de loucuras.

   
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