Aldous Huxley compõe, em seu The brave new world, uma versão futurista (atualizada?) da República de Platão. Entretanto, diferentemente do filósofo grego, apontará os riscos de uma educação sem espaço para o livre arbítrio, como a que se difundiu no século XX (a ilusão de liberdade e livre arbítrio que vivemos fica mais clara quando ele próprio analisa seu romance décadas depois, em Regresso ao admirável mundo novo [The brave new world revisited]).
O romance Admirável mundo novo, publicado em 1931, e memorável até hoje, é uma crítica severa às relações de servilismo da sociedade industrial, contudo é no livro teórico supracitado, cuja publicação data de 1959, que podemos entrever mais profundamente sua noção dos encaminhamentos sociais pelo mau uso da tecnologia.
Nas páginas iniciais, ele admite seu espanto em ver que a configuração da sociedade que ele imaginara para muitos séculos adiante estava espantosamente próxima, menos de três décadas depois de ter escrito seu Admirável mundo novo. Para isso discute detalhadamente os avanços da ciência nesse ínterim, e suas aplicações no condicionamento, sugestão e controle das massas. De Hitler aos métodos de auto-ajuda, passando pela variabilidade de drogas e pelo entretenimento, nada escapa ao seu criterioso crivo.
O mais espantoso de tudo é que se suas previsões de 1931 assustaram-no anos depois pela rapidez com que caminhavam para a sua concretização, as prospecções de 1959 para as décadas vindouras podem causar espanto ainda maior pela pertinência que possuem e por estarem igualmente se realizando.
É certo que ele não imaginou a criação da internet e da subversividade que ela pode acarretar – considerou apenas as condições propícias aos regimes ditatoriais e à indução das massas, desde a mensagem subliminar até a propaganda direta –, mas se a tivesse imaginado e considerado, podemos deduzir que sugeriria que de nada serve uma ferramenta como essa em favor da libertação intelectual, e consequentemente social, em condições tais como as que temos hoje.
Em sua análise sobre o homem e o meio no qual surge, admite – em boa medida, mas não totalmente – que o último condiciona o primeiro e que, sendo assim, todos os grandes homens foram produto da sociedade em que surgiram. Porém, ele vai além disso, determinando também o valor da individualidade na organização social : “O mundo seria o mesmo hoje se Lênin não tivesse existido?”
É nessa possibilidade de que cada ser humano seja diverso de qualquer outro que exista que faz sua aposta otimista; alerta, contudo, do perigo da padronização genética e comportamental que antevê pelos avanços tecnológicos que vinham ocorrendo – e na época nem sequer falava-se de clonagem tal como a conhecemos hoje. Citemo-lo textualmente:
No mundo em que vivemos [...] enormes forças impessoais estão agindo a favor da centralização do poder e por uma sociedade centralizada. A padronização genética dos indivíduos é, por enquanto, impossível; mas o Grande Governo e o Alto Negócio já possuem, ou não tardam em possuir, todas as técnicas de manipulação do espírito descritas no Admirável mundo novo, além de outras que, por falta de imaginação não pude idealizar.
A manipulação do espírito é como uma prisão sem paredes, em sua opinião, entretanto, é pior do que a prisão física, pois a última é uma situação em que aquele que a sofre conhece bem a condição. E no caso de ser inocente pode pedir um habeas corpus, caso esteja numa sociedade amparada pelos direitos básicos do ser humano. Já aquele que sofre a prisão do espírito, nada percebe e se acha livre. Pensa agir do modo como age por livre escolha e não admite de forma alguma que seu comportamento é condicionado. A esse respeito, nada se pode fazer, pois “jamais haverá tal coisa como o habeas mentem”.
Muitos dos que sofrem este tipo de prisão imaginam-se “livres como pássaros”. Huxley adverte, todavia, que
todo pássaro que aprendeu a esgaravatar uma boa porção de vermes sem ser impelido a usar as asas, logo renunciará ao privilégio de voar e permanecerá para sempre na terra. Algo semelhante se passa com os seres humanos. Se o pão lhes é fornecido regular e fartamente três vezes ao dia, muitos deles ficarão satisfeitos vivendo apenas de pão – ou pelo menos, de pão e de espetáculos de circo.
Quando Huxley retomou sua ficção e comparou o que havia imaginado ao mundo que via no final da década de 50, previu uma luta que talvez superasse as forças humanas na busca por liberdade, já que elas precisam, para alcanças esse objetivo, degladiar-se com colossais forças impessoais que governam todas as relações vigentes entre homens, máquinas, sistemas, natureza, desejos, anseios e ânsias.
Para encerrar, façamos das palavras que encerram o livro de Huxley as linhas finais que arrematarão essas impressões:
Talvez as forças que agora ameaçam o mundo sejam demasiado poderosas para que se lhes possa resistir durante muito tempo. É ainda nosso dever fazer tudo o que pudermos para resistir-lhes.